Voluntários da justiça

Correio Braziliense

Brasília, quinta-feira,

17 de janeiro de 2002

Voluntários na Justiça

Surgem em todo o país experiências inovadoras, sem precisar de novas leis, mas dentro da lei; sem exigir recursos adicionais, mas dentro do orçamento; de iniciativa local ou nacional, mas em parcerias, do Judiciário com os governos, ou com a sociedade.

Joaquim Falcão

Enquanto o Congresso Nacional não vota a reforma do Judiciário e o Poder Judiciário não consegue as verbas de seus sonhos para modernização administrativa e melhores salários, uma quase silenciosa reforma do Judiciário vai acontecendo. Surgem em todo o país experiências inovadoras, sem precisar de novas leis, mas dentro da lei; sem exigir recursos adicionais, mas dentro do orçamento; de iniciativa local ou nacional, mas em parcerias, do Judiciário com os governos, ou com a sociedade.

A juíza Hermínia Azourry do Espírito Santo, por exemplo, criou há anos um sistema de penas alternativas extremamente criativo. Fez um acordo com escolas locais onde o réu condenado é obrigado a pagar cestas básicas para as famílias das crianças pobres com risco de evasão escolar. Essa experiência foi transformada em lei federal por iniciativa da deputada Miriam Reidi, do PDT do Rio de Janeiro. Procurando diminuir a população das prisões, o custo de 500 reais por mês para cada preso e solucionar a questão social, a secretária Nacional de Justiça, Elizabeth Sussekind, anda todo o país. Estimula a criação de centrais de penas alternativas. Já são mais de trinta. Encontra o entusiasmo dos jovens juízes e a desconfiança dos mais conservadores.

No Rio de Janeiro, o juiz Elton Leme adota com sucesso no juízo cível o sistema de conciliadores, criado pelo Tribunal de Justiça do Estado. É quase um ovo de Colombo. O Código de Processo Civil, no artigo 448, obriga que a primeira fase do processo seja uma tentativa de conciliação. Esse dispositivo é subutilizado no Brasil. Por vários motivos, desde o interesse do advogado que ganha por fase recursal até pelo fato de que, nas faculdades de Direito e nas escolas da magistratura, com raras exceções não se ensinam técnicas e procedimentos da conciliação. Na cultura jurídica tradicional, o juiz, ao julgar, sente-se satisfeito, embora nem sempre seu cliente, as partes, fique satisfeito. O foco não é o cliente, é a adjudicação, que, em vez de meio, passa a ser um fim em si mesmo. A imensa maioria dos juízes não está treinada nem é culturalmente preparada para conciliar.

Foi criada então a figura do conciliador, um profissional de preferência com formação jurídica, selecionado, treinado especialmente, nomeado, registrado e com obrigações definidas. O primeiro ato do juiz é encaminhar as partes à audiência de conciliação, comandada pelos conciliadores. Não existe segredo. A conciliação nas varas de família tem sucesso em mais de 80% dos caso, é também o cerne da justiça trabalhista. Nos juizados especiais atinge índices superiores a 50% dos casos. Usado agora nas varas cíveis, em casos de cobranças condominiais, de aluguéis e mensalidades escolares, de ações indenizatórias por acidentes automobilísticos, reduz o trabalho dos juízes, que apenas homologam a conciliação. Reduzem-se os custos judiciais para as partes e para o próprio Poder Judiciário. Combate-se a lentidão judicial.

Tudo é possível porque os conciliadores são voluntários. Cidadãos da comunidade que cedem tempo e conhecimento profissional, sem remuneração, e assim exercem sua cidadania. Esse é filão a ser mais bem explorado pelo Judiciário: criar programas específicos de Voluntários na Justiça, além dos conciliadores. Nos Estados Unidos, um programa de voluntariado bem-sucedido dá apoio psicológico e orientação judicial às testemunhas nos processos criminais, tornando-os mais céleres, menos traumáticos e mais justos. Depois do sucesso do Ano Internacional do Voluntariado, o Brasil está cada dia mais voluntário: nos hospitais, nas escolas, nos museus, e agora também no Judiciário.

O futuro da justiça não está apenas nas mãos do Congresso e de emendas constitucionais. Depende do próprio Judiciário, de sua capacidade de estimular um clima interno de inovação, vencendo resistências corporativas, apoiando experiências que o reinvente a cada dia. Mesmo porque, diz a música popular, quem sabe faz a hora, não espera acontecer. Sobretudo quando já se faz tarde.

Joaquim Falcão é professor de Direito da UFRJ e da FGV (jfalcao@fgv.br)

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