CAIPIRA: SER OU NÃO SER

Agnes Marta Pimentel Altmann

A trama verbal é tão incoerente, já dizia Carlos Drummond de Andrade. Pode-se dizer, bendizer e maldizer para anunciar juízos, interesses, paixões que se autodesmentem e se contradizem na confusão dos dizeres, de tal modo que é raro se dizer propriamente o que se quer dizer porque o "animal falante" se utiliza da linguagem muito mais para dizer contra do que a favor.

- Por favor, não sou caipira...Não mesmo?

- Quem não é caipira neste País e neste Planeta que atire a primeira pedra...

Depois da "generosa" afirmação presidencial, do dizer sem querer, querendo, numa construtiva homenagem prestada aos cidadãos auriverdes, a proclamação verbal de que "o brasileiro é caipira", generalização que abrangeu todo mundo sem exceção, pois que a generalização é um conceito geral, certamente deve ter muita gente por aí com crise existencial de nacionalidade...  Não admiraria se alguém resolvesse litigar por "danos morais" por "injúria" ou reclamar junto ao Procon...

Eis que o imperativo categórico de "caipira" - para uns lisonja e para outros insulto, sugere reflexões "sociológicas", como desperta mais um "bode expiatório" para os insucessos governamentistas.  Em meio à confusão conceitual do que é "ser ou não ser" caipira, quem sabe, como fórmula elogiosa, se pense na mistura de "cachaça com limão e/ou vodka" para tranqüilizar os egos "assanhados" no confronto com a realidade da canção que diz: "Sou caipira, Pirapora..." - Vivo, para que negar, na capital federal, a roça "chic" do Planalto Central.

Não é só o caipira que ignora tudo, inclusive que ele é caipira.  Os caipiras de elite também... Haja caipira no Planeta...  Uns se consolam com chimarrão, outros com coca-cola, vinho do Porto, chucrute, uísque escocês, paçoca, jiló, pimenta-malagueta, caviar...

 Não há tal cidade no mundo onde não exista caipiras. A variedade é que causa espanto!...  Uns aprendem lições de pedantismo em Oxford, outros em Harvard, outros nas "Sorbonnes" da vida.  Pela pose não querem ser confundidos com algum tipo da roça que jamais tenha aprendido alguma coisa, nem ao menos revele medíocre saber.  São desinibidos e graves.  "Caipira brasileiro!... - Perdão, eu não disse isso.  - "Pode chamar de "caipira",  pois no Brasil não "assanha" tanto. Pior mesmo é ser chamado de "Nordeste".  E para quem não  estudou Geografia, o Norte não fica no Nordeste, tal como gringo que confunde Buenos Aires com a capital do Brasil... Imagine se o Mercosul vigorar... - Calma pessoal!... Há caipiras que sabem apreciar os verdadeiros valores, e não é nenhum absurdo ser chamado de caipira... Xitãozinho e Xororó que o digam.  Se paira a dúvida de que tenha sido um insulto ou excesso de generosidade, deve-se agradecer pela "concessão gratuita" do título com que os governistas auriverdes brindam os seus amados governados...  Ironia ou carinho?  - Veja-se quantos impostos se tem que pagar para morar na cidade!

Sabe de uma coisa? Mesmo com a globalização e internetização é crescente o número de adeptos do estilo caipira, que ninguém  entende mais o que é "ser ou não ser caipira".  Será o habitante da roça ou o que se veste de cowboy  americano?  O título vem de ser disputado até  pelos franceses...  Tanto que em vez do ditado "quem tem boca vai a Roma", passa a ser "quem tem vaca vai a Paris amarrar o garrote na Torre Eiffel", pois os caipiras franceses que tudo sabem reivindicar, valorizam a grande torre não como mero enfeite para foto de turista ou de desfile de madame ou top model  com suas griffes e perfumes.  - "Que escândalo"... cheio de vaca em plena cidade considerada museu requinte do Planeta!....  - Não me diga que Paris também é roça!...

Agnes Marta Pimentel Altmann

Direito/Mestrado Relações Internacionais

Obs.: Artigo publicado na Tribuna da Imprensa, 20/10/1996, com algumas alterações do texto original supra.