Relação Médico-Paciente

Tereza Halliday

Jornalista e analista de discurso

(artigo publicado no Diário de Pernambuco, em 29/5/2003)

Correspondo-me por e-mail com uma estudante de medicina que parece ser vinho de outra pipa. Já se preocupa com o risco de desvirtuar-se como profissional, quando estiver solta na buraqueira do ganhar o pão como médica.

Perguntou-me por que sou tão interessada na relação médico-paciente. Porque, a qualquer momento, meu corpo pode forçar-me a entrar nesta delicada parceria assimétrica, onde somente os hipocondríacos desejam permanecer. Como pacientes, perdemos liberdade e precioso tempo de viver, estragado em filas - de pé ou sentados - nos postos de saúde,  consultórios e serviços de diagnóstico.

A  consulta médica é a coisa mais importante do mundo para o paciente com dor ou dúvida. Para o médico, é apenas um rotineiro e repetitivo atendimento, entre dezenas que tem de fazer diariamente. Não admira que haja um descompasso entre a atencão atenciosa que o paciente espera e o tipo de atenção que o médico pode ou aprendeu a dar.  A escuta do médico piorou depois dos exames computadorizados.

Mesmo quando correta, a relação médica nunca é confortável para o paciente. Somos dependentes e vulneráveis, como em algumas outras interações profissionais.  Por isto, minha prece noturna é: Obrigada, Senhor, por mais um dia sem precisar de médico, nem advogado, nem eletricista,  nem encanador. Adoraria acrescentar "nem provedor de Internet", mas não dá.

Mais do que no tratamento clínico, a perda de autonomia é gritante no ato da hospitalização, que nos despe ritualisticamente da nossa identidade: lá se vão relógio, anéis, brincos, óculos. Tiram-nos a roupa toda e a substitúem por uma bata genérica e sumária. Amarrada na frente ou atrás, deixa-nos o corpo disponível para o toque inquiridor, a qualquer hora e por qualquer lado. Com raras exceções, os médicos não nos envolvem na conversa sobre o que mais nos diz respeito: nosso estado de saúde. De tão gentís, as enfermeiras exageram, ao infantilizar o discurso, mandando virar a cabecinha ou abrir a boquinha. Acordam-nos a qualquer hora para tomar remédio, dão-nos comida e banho em horários requeridos pela rotina da instituição. Entre aparelhos e formulários, sumimos como adultos, sem vez nem voz na liturgia da cura.

Mesmo sadios, não escapamos de nos relacionar com médicos,  devido aos check-ups anuais. Tenho muita sorte de  contar com a dra. Margarida Nunes, experiente e suave,  que há quase 20 anos me examina com cuidado e toma providências, se necessário, mas não inventa doença nem tratamento. Abençoada seja.

Um professor de deontologia médica contou-me que insiste com os alunos para tratarem o paciente pelo nome, não pelo prontuário. Alguns acham sua insistência uma "frescura". Seria melhor que estes desistissem do curso. Indigentes ou conveniados, somos José, Tereza, Maria, únicos no mundo. Na liturgia da cura, não temos o poder  mas somos a razão de ser da medicina.

terezahalliday@hotmail.com

Tereza Lúcia Halliday, Ph.D
Criação, Análise e Assessoria de Textos
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"Palavra quando acesa, não queima em vão".

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