Campanha em defesa da regulamentação da profissão de jornalista

   

   
   
CAMPANHA EM DEFESA DA REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE JORNALISTA
Boletim Eletrônico nº 17 - 07 de julho de 2003
   
   
 
Leia nesta edição:
- Fenaj entrega anteprojeto do Conselho Federal de Jornalismo ao ministro-chefe da Casa Civil
- Deputado dá apoio à regulamentação da profissão
- Dom de escrever não transforma ninguém em jornalista
- MEGAFONE
   
   

Fenaj entrega anteprojeto do Conselho Federal de Jornalismo ao ministro-chefe da Casa Civil

O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, recebeu na última sexta-feira, 4 de julho, o texto do anteprojeto de lei que cria o Conselho Federal de Jornalismo. O documento foi entregue ao ministro pela assessoria da direção da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), representando a presidente Beth Costa, durante audiência mediada pelo deputado federal Fernando Ferro (PT/PE).

O ministro José Dirceu imediatamente encaminhou o documento para o Secretário Executivo da Casa Civil , Swedenberger Barbosa, para a devida consulta à assessoria jurídica do Palácio do Planalto. O texto do anteprojeto foi elaborado pela Fenaj, em conjunto com os 31 sindicatos de jornalistas filiados de todo o país, e consolida a luta dos jornalistas na defesa da sua regulamentação profissional e de uma imprensa ética, de qualidade, a serviço da sociedade.

Deputado dá apoio à regulamentação da profissão

O deputado federal Paulo Pimenta (PT/RS) falou no plenário da Câmara Federal, no dia 1º de julho, sobre a obrigatoriedade do diploma e o Conselho Federal dos Jornalistas. Para ele, a sentença judicial, em primeira instância, da não exigência do diploma em jornalismo para se obter o registro profissional contribuirá para uma sociedade ainda mais distante do exercício do senso crítico. Leia o discurso em Megafone (abaixo).

Dom de escrever não transforma ninguém em jornalista

Entrevistado pela estudante de jornalismo Simone Guimarães, da Uniceub de Brasília, para a seção "Eu sou você amanhã", do Correio Brasiliense, o jornalista Carlos Chagas diz que o dom de escrever nem sempre é suficiente para tornar alguém jornalista, e defende a exigência do diploma para o exercício da profissão. Leia abaixo um trecho da entrevista.

SG - Havia algum tempo, não existia faculdade de jornalismo. E o profissional tinha que aprender na prática. Como o senhor vê isso?
CC- O problema da prática é o seguinte: você aprende muito bem, mas se for para a faculdade, tem um estímulo muito maior. Na prática, você não vai aprender história, a não ser que comece a ler livros. Na prática, você não aprende ética. Hoje, os donos de jornal criticam a faculdade de jornalismo. Dizem que para ser jornalista é preciso ter o dom de escrever. E que isso não se consegue na faculdade. Ora, dom de escrever não faz uma pessoa virar jornalista. Faz virar um grande escritor. Por exemplo: o senhor Manoel ali da esquina, o dono do açougue. Ele é um craque na arte de cortar carne. Corta costela, corta filé, corta bife. Por causa disso, ele vai poder sair do açougue entrar no hospital e operar alguém? Ser médico é mais do que saber cortar carne. O camelô da Rodoviária é um craque na sua barraca. Fala bem, vende tudo que tem lá no balcão dele. Por causa disso, ele vai sair de lá e entrar no Supremo para defender uma causa? Ser advogado é mais do que falar bem. Como é que não precisa fazer faculdade? Então, não adianta vir com essa história de que o importante é o dom de escrever. Isso é conversa de patrão.
SG - Mas há muitos profissionais nas redações que têm anos de profissão, não são formados nem têm o registro profissional, não é?
CC -
Eu não tenho o diploma de jornalismo. Sou formado em Direito. Mas, no meu tempo, não existia faculdade nem concurso para quem queria ser jornalista. Você trabalhava seis meses num jornal e se o jornal gostava, ele te dava uma carta, você ia ao Ministério do Trabalho e adquiria o registro. Era assim naquela época. Depois é que veio a exigência do diploma, do registro. Acho que para ter o registro precisa ter o diploma. Foi um grande avanço.

Obrigatoriedade do Diploma e Conselho Federal dos Jornalistas

Venho solidarizar-me, junto aos jornalistas, na luta da categoria pela obtenção do registro de jornalista para que atuem normalmente em sua profissão. Como é de conhecimento de todos, a juíza paulista Carla Abrantkoski Rister suspendeu, em todo o Brasil, a obrigatoriedade do diploma na profissão para a obtenção do registro profissional no Ministério do Trabalho. A juíza argumenta que a obrigatoriedade do diploma fere a Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1992, que proíbe toda e qualquer barreira ao direito de informação. Um documento da Federação Nacional dos Jornalistas, de 2001, afirma que "a juíza sustenta, na verdade, a confusão entre exercício profissional do jornalismo e direito de expressão. Enquanto o direito de expressão é inerente à existência da cidadania em qualquer sociedade democrática, e válida para todos, o exercício da profissão atinge tão somente aqueles que utilizam o jornalismo como meio de vida". É preciso ressaltar, Senhoras e Senhores deputados, que decisão de tamanha envergadura contribuirá para uma sociedade ainda mais distante do exercício do senso crítico, para uma padronização do pensamento, bem como para o perigo iminente de colocar a grande massa de manobra à mercê daqueles que nenhum preparo têm para fazer um jornalismo que fiscalize o poder e que incite a capacidade de questionar dos receptores. O número de conglomerados de Comunicação, em um País subdesenvolvido como o Brasil, já é absurdamente pequeno quando se pensa que algumas famílias decidem o que entra na pauta da agenda nacional, quando se sabe que a guerrilha semiológica, a que se referia Umberto Eco, inverteu o controle da informação, de modo que, hoje, com a entrada do capital estrangeiro nos media, com a crise de credibilidade pela qual vem sofrendo a imprensa - vide o escândalo no jornal de maior credibilidade norte-americano, o New York Times -, a responsabilidade na transmissão da informação está ainda mais fragilizada.

A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e todos os Sindicatos de Jornalistas do País reiteram suas posições contrárias à decisão da juíza. São mais de 80 anos de luta da classe. Eu, na condição de jornalista formado, não delego a ninguém qualidade profissional para fazer uso desta profissão como se graduado fosse. Se eu decidir, por minha conta e risco, exercer o ofício da Medicina, vestir um jaleco e operar quem quer que seja, sou preso no dia seguinte por exercício ilegal da profissão. Pois estes mesmíssimos direitos, o da especialização, do preparo e da técnica, é o que não abrimos mão para a categoria jornalística. Para tanto, é imperativa a necessidade da legalização de um Conselho Federal dos Jornalistas. Ocorre que este projeto está emperrado por conseqüência de uma tramitação mal consolidada nas Casas responsáveis. Peço, portanto, a atenção dos Senhores para que, no mínimo, questionem-se. É sabido o quanto a alienação e o conformismo perseguem o ser-humano, de forma a incutir-lhe passividade e uniformidade no pensar. Já dizia Spinoza: "Eternos devoradores, perpétuos devorados". Se deixarmos de questionar, deixaremos de pensar. Obrigado, Senhor Presidente.

Paulo Pimenta, deputado federal pelo PT do RS (discurso realizado no Plenário da Câmara dos Deputados, em 1º de julho)

Muito além do diploma

Primeiro, o caso da juíza que sentenciou contra a obrigatoriedade do diploma universitário para jornalistas; segundo, o fato de que donos de jornais e grande parte de seus profissionais costumam contestar a competência técnica das escolas para a formação de jornalistas.

Para nós, entretanto, a discussão sobre o diploma ou sobre a competência universitária para a formação de jornalistas não é um assunto meramente técnico ou jurídico. Para ser seriamente encarada, ela deve ser situada no quadro problemático da crise generalizada do espaço público. Reprisamos uma posição já bastante conhecida nos debates teóricos contemporâneos quando chamamos a atenção para o fato de que o espaço ou a esfera pública, da maneira como se instituiu na modernidade, passa hoje por transformações que o convertem num arremedo daquilo que o liberalismo clássico pretendeu que fosse. Essa pretensão – muito nítida no projeto político do liberalismo, que se oferecia como resposta à crise da legitimidade teológica do poder – consiste em proclamar que a política é assunto de todos empenhados na formação de uma comunidade de cidadãos. Para isto, era fundamental a existência de um espaço onde o debate público e livre sobre o Estado laicizado tomasse o lugar das grandes transcendências.

Decorre desse projeto liberal o prestígio da imprensa escrita em nossa modernidade. Ele associa-se ao primado do indivíduo como ser moral e autônomo, conforme os termos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, lavrada em 1789 pela Assembléia Constituinte Francesa. A Declaração é a garantia política e ideológica da concepção universal do homem enquanto indivíduo livre. Com esta pressuposição de uma liberdade inerente à sua existência social, o indivíduo passa a gerar valor social, do qual se deduz a noção de igualdade: cada homem vale outro, o fato de sua humanidade é um valor, logo fato gerador de direitos, de possibilidades contratuais.

Disso já falamos em Reinventando a Cultura (Ed. Vozes): ao criar um laço social entre o cidadãos (a sociedade civil), assegurando o "contrato social", o regime republicano torna necessária a comunicação entre eles. Daí, a importância crescente da imprensa, sobretudo graças à sua posição de garantia da livre manifestação da subjetividade civil. A imprensa asseguraria ao cidadão a representatividade de sua palavra, de seus pensamentos particulares. Exprimir-se livremente pela imprensa é um dos direitos levantados como bandeira pelo liberalismo. Essa liberdade de imprensa resulta da definição e do empenho dos liberais. Para Benjamin Constant, por exemplo, a única de todas as liberdades que não pode ser suspensa é a de imprensa, uma vez que esta deva funcionar como condição das outras. Em La Liberté des Brochures, des Pamphlets et des Journaux (1814), ele procura estabelecer, no âmbito do constitucionalismo liberal, o princípio da ausência absoluta de censura prévia à expressão.

Flagelo do século

Estes são aspectos político-ideológicos da escrita e da imprensa, sobre os quais têm insistido autores de extrações teóricas as mais diversas. Mas há aspectos técnico-literários que não se costuma destacar muito. Por exemplo, o aspecto da correspondência entre o período clássico da imprensa – caracterizado por modelos que o belga Bernard Miège chamou de "imprensa de opinião" e "imprensa comercial" – e uma apropriação técnica da escrita que demanda uma forma específica de leitura.

Com efeito, a imprensa que se autoproclamou na História como mediadora entre Estado e sociedade civil ou como moderna tribuna ampliada para o exercício da autoridade, da sabedoria e mesmo do amor à causa pública, está comprometida com a produção de uma escrita intrinsecamente vinculada à escola e à obra literária. As velhas discussões sobre os limites entre literatura e jornalismo, a velha presença de escritores nas redações de jornais são índices ou sintomas dessa vinculação.

Como bem sabemos, tem cabido às academias, aos círculos literários, à crítica erudita, mas sobretudo à escola, com seus modelos disciplinares, a tarefa de zelar pelos princípios canônicos da leitura. Desses princípios e da racionalidade inerente à escrita surgem esquemas narrativos, isto é, modos codificados de relatar histórias, que variam da obra literária ao jornalismo impresso. Há uma ponte entre ambos desde os começos da imprensa tradicional. A forma da notícia, assim como as técnicas argumentativas dos textos jornalísticos – não nos esqueçamos – procede da retórica vulgarizada pelas escolas. E antes da disseminação das escolas de jornalismo, todo jornal de alguma envergadura fomentava uma espécie de escola interna, não oficial, mas materializada em manuais de textos e de comportamento, quando não em cursos episódicos.

Por outro lado, tanto a narrativa literária como o jornalismo, embora com lógicas diferentes, buscam atribuir sentido à experiência humana e organizá-la cognitivamente em episódios temporalmente significativos. Por isso, há também no jornalismo, como na obra literária, um sentido de sacralidade da escrita associada aos princípios políticos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. A imprensa só ingressa no panteão do liberalismo quando em seu funcionamento global pode ser reconhecida como "obra" do espírito moderno. Seus "pais" vão de enciclopedistas como Condorcet a founding fathers do Estado-Nação norte-americano como Washington, Lincoln, Jefferson, Hamilton, Emerson e Paine, publicistas com os pés fincados na racionalidade argumentativa da escrita.

Por isso, esse pano de fundo ético-político-literário tornou escandaloso para a consciência liberal o fenômeno do jornalismo sensacionalista, seja na Europa ou nos Estados Unidos. Desde o final do século passado, o yellow journalism – conseqüência da rivalidade acirrada entre grupos poderosos como os de William Randolph Hearst e Joseph Pulitzer, mas resultante também das tentativas de aumento da circulação – atraiu e tem atraído para a imprensa críticas de setores intelectuais e até mesmo de largas frações do público. Na esteira dessa crítica, Henry Miller diria muito tempo depois que "a imprensa é um dos flagelos do século 20".

Agente mediador

A violação da suposta sacralidade está no esquecimento, tanto da escrita quanto dos princípios fundadores, advindos de uma paternidade e uma filiação liberais. A imprensa enquanto "obra" ético-político-literária do espírito liberal implica, pois, uma civilidade e uma transcendência radicalmente opostas a qualquer tentativa de reduzi-la a um plano meramente técnico – daí os seus vínculos simbólicos e sua afinidade histórica com a disciplina inerente à forma moderna intitulada "escola", guardiã, ainda hoje, da ética da produção e da recepção da escrita.

A formação universitária do jornalista e a sanção desse percurso por um diploma acadêmico são conseqüências político-culturais dessa concepção de imprensa. É uma ingenuidade profissionalista supor que os acontecimentos do mundo se ofereçam de modo transparente e neutro à mediação jornalística – a mediação implica sempre um parti pris. O indivíduo não vai à academia para o mero aprendizado de técnicas jornalísticas (repetindo a concepção do protestantismo calvinista sobre o saber, que valeria apenas enquanto associado à profissão), mas para, junto com a absorção dessas técnicas, preparar-se culturalmente (estudando História, Política, Economia, Filosofia, Teoria da Comunicação) para lidar interpretativamente com a moderna sociedade da informação e investir-se da condição de guardião da língua, da escrita e da credibilidade histórica.

É este o sentido de sua presença no âmbito da comunidade universitária. E, pelo que temos podido avaliar, a universidade vem cumprindo, de modo cada vez mais satisfatório, a tarefa da formação. Os donos da mídia, os velhos jornalistas ressentidos, fingem não ver a presença maciça nas redações de jovens jornalistas saídos das escolas e, em geral, bastante informados sobre cultura e sociedade, logo, mais capacitados para a mediação profissional.

Claro, sabemos que o jornalismo é também, ou principalmente, empresa comercial e, por isto, presta-se mais facilmente à redução da escrita à pura textualidade, o que significa culturalmente algo diferente de obra. Ao mesmo tempo, a sociedade da informação amplia tecnologicamente o espaço público, mas o priva de sua antiga função político-liberal. O espaço publicitário é um simulacro do espaço público clássico. Ele realiza na prática o lado sombrio do projeto liberal clássico para o espaço público, que era também o controle do acontecimento pela imprensa. A mídia nos aponta hoje para a realidade tecnológica dessa possibilidade. "Pela primeira vez", afirma John Ballard, "a humanidade poderá negar a realidade e substituí-la por sua versão preferida." É possível, mas disso não temos nenhuma certeza, de que da formação jornalística posso advir algum antídoto.

Em resumo: sociedade contemporânea precisa, mais do que nunca, do jornalista. Talvez seja necessário redefinir a sua identidade. E esta exigência aponta para um tipo de "agente mediador" a quem se confie a tarefa de guia no cipoal das informações. Acreditamos que tal guia não surja espontaneamente apenas da própria informação, mas dela juntamente com a formação escolar.

Muniz Sodré (Texto publicado originalmente no site do Observatório da Imprensa, na edição de 25/06/2003)

   
   
 
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