Dirigindo no escuro
23/8/2003 09:37:39
Theresa Catharina de Góes Campos
, articulista, jornalista, escritora e professora universitária

A comédia dramática urbana, contemporânea, ambientada no meio artístico, " Dirigindo no Escuro " ( Hollywood Ending – EUA , 2002 – cor, 35 mm. , Dolby, 112min. ), Seleção Oficial Cannes 2002, é dirigida, escrita e protagonizada por Woody Allen.

" Ele tem Nova York nas veias."

(...) " O cinema é uma amante ciumenta."

Embora tenha personagens caricaturais, o roteiro apresenta situações realistas e contemporâneas, no contexto urbano e cinematográfico de países ricos, expondo ao ridículo a indústria de Hollywood ( produtores, diretores, agentes, técnicos e artistas).

" Ele é o pior inimigo de si mesmo."

(...) " É um caso tipicamente psicológico."

(...) " Você tem fama de louco. Desta vez, veio a calhar. "

(...) " Não é fácil encarar três horas de adulação."

O público vê-se na posição privilegiada de participar , assistindo ao filme, da rotina de filmagem. Acompanhamos até algumas atrizes que buscam a fama rápida, as oportunidades sonhadas, se oferecendo sexualmente ao diretor.

E comprovamos que, de fato, todos nós, dentro ou fora dos estúdios, nos comportamos como seres humanos: frágeis, vulneráveis, egoístas e com um certo grau de cegueira... Uma cegueira psicológica, afetiva, existencialista.

Algumas atrizes buscam a fama rápida, as oportunidades sonhadas, se oferecendo sexualmente.

" O amadurecimento genuíno é lento."

(...) " Não estou nervoso. Estou tenso!"

(...) " Sou um narcisista artístico."

(...) " - Acordei sem enxergar nada! Estou cego!

- Ninguém sabe! (...) Vai dirigir este filme e fazer dele um sucesso comercial."

Os problemas do diretor não são apenas no estúdio e com os executivos. Nem com a sua cegueira súbita, desconhecida por quase todos. Ele não fala com o filho adulto há anos. Quando tentam conversar, visando reatar o relacionamento familiar, o jovem diz que aprendeu a se drogar com o pai, que recorria o tempo todo a remédios, estimulantes e pílulas as mais variadas. O diretor de cinema quer uma vida tradicional para seu filho rebelde:

" Ele teria uma família e eu faria parte dela."

Hipocondríaco, com tendência à depressão, o diretor que precisa reerguer a sua carreira não esconde a mágoa porque a esposa o trocou por outro homem. Volta e meia, reclama, grita a sua decepção. Confessa não entender as razões da separação.

"Três é uma multidão."

(...)" Aonde vão os casamentos? "

(...) " Fazíamos sexo. E sexo é melhor que papo! O papo é para chegar ao sexo! "

(...) " O coração é imprevisível. Não é como o banco nem o fígado..."

Téa Leoni, George Hamilton, Treat Williams, Mark Rydell e Barney Cheng integram o elenco de " Dirigindo no Escuro", produzido pela DreamWorks (estúdio de Steven Spielberg).

" O cinema é uma amante ciumenta."

(...) "Agora eu sei porque os canadenses não cometem crimes..." (Para entender essa referência, ver " Tiros em Columbine". )

Destaques: direção, interpretação, roteiro; a questão do profissionalismo versus os interesses financeiros, abordada com humor inteligente; a trilha sonora, cenografia e montagem.

" - Estou enxergando! Você está linda! – exclama, entusiasmado, o diretor Val ( Woody Allen), elogiando a ex-esposa (Téa Leoni).

- É assim que a pessoa vê, depois que ficou cega por um período!"

(...) " Você está tão linda! Todo marido devia ficar cego durante uns tempos..."

A impertinência da jornalista que vai cobrir as filmagens provoca desconfiança.

" Cuidado com ela. Andréa é mortal."

As questões afetivas também refletem atitudes freqüentes na sociedade atual. Os diálogos levam ao riso, fazem pensar, divertem.

"– Voltou a seu apaixonar por seu ex-marido?

- Acho que nunca deixei de amá-lo."

Eis aí um tema recorrente nos filmes de Woody Allen – os casamentos que foram desfeitos quando estavam em crise. Depois, a atração que levou os casais a se unirem volta a se manifestar. Não teria sido melhor, ao invés de recorrerem à separação, solucionarem os problemas juntos, encarando as dificuldades comuns com paciência e amor?

No clima de humor do roteiro de " Dirigindo no Escuro", os traumas do próximo – por mais trágicos que sejam –como na vida real, nem sempre são levados a sério.

" Não se preocupe. Vou melhorar meu papo furado."

O tema do diretor " difícil " no relacionamento com os atores e a equipe técnica revela, igualmente, o contexto de interesses que provoca discussões porque os objetivos se chocam. Os produtores, os agentes pensam exclusivamente nos lucros possíveis, daí o conflito com aqueles que visam à realização artística.

" Nada faz sentido!"

(...)" Incoerência? Ótimo! Era isso que eu queria..."

(...) " Não podemos julgar um filme pelos copiões. As cenas não estão montadas!"

Ainda que os críticos e o público, na história abordada, tenham falado horrores, nem tudo está perdido, ou melhor, outras opiniões salvarão o diretor estressado.

" - Os franceses adoraram o seu filme. Dizem que você é um gênio, não um idiota, um gênio!

- Graças a Deus os franceses existem."

" Dirigindo no escuro" : nas dificuldades das relações humanas, mas também, confiando nas suas possibilidades, a interação profissional consegue produzir uma obra criativa, capaz de vencer , na sua realização e no seu diálogo com o público, os momentos de cegueira de nossa vida.

Theresa Catharina de Góes Campos é articulista do 180graus.com

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